7 de setembro: o que está em jogo nas manifestações pró-Bolsonaro?
As manifestações em defesa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) marcadas para o próximo feriado de 7 de setembro (Dia da Independência) devem ditar os rumos e podem dar novas sinalizações para a disputa sucessória de 2022.
Movimentos simpáticos ao mandatário mobilizam apoiadores para ocuparem as ruas das maiores cidades do país com um discurso de enfrentamento ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), à imprensa e à oposição, em um redesenho da postura “antiestablishment” encarnada por Bolsonaro desde as eleições de 2018.
A narrativa em defesa de pautas conservadoras, valores cristãos e da “família tradicional” também deve marcar forte presença nos atos. A ela deverão se somar palavras de ordem pela “liberdade de expressão”, em meio a reveses enfrentados por aliados no Poder Judiciário.
O evento busca reunir diversos grupos que compuseram a coalizão que alçou Bolsonaro à presidência. A expectativa é que estejam presentes evangélicos, ruralistas, caminhoneiros e até policiais e militares ‒ ingredientes adicionais de tensão política.
Bolsonaro anunciou que comparecerá aos atos em Brasília, pela manhã, na Esplanada dos Ministérios, e em São Paulo, à tarde, na Avenida Paulista. Caravanas estão sendo organizadas para encher os atos e render imagens de apoio ao presidente. Em sua live semanal na última quinta-feira (2), o mandatário disse que será uma “manifestação nunca vista no Brasil”. Os atos ocorrem em meio ao pior momento da relação entre o mandatário e integrantes de cortes superiores, em uma crise que escalou após a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tratava do voto impresso ser derrotada no Congresso Nacional.
Os ataques diretos de Bolsonaro aos ministros Luís Roberto Barroso (presidente do TSE) e Alexandre de Moraes (relator do inquérito das Fake News) ‒ este, inclusive, com um pedido de impeachment protocolado e já arquivado no Senado Federal ‒ aumentaram o nível de tensão entre Executivo e Judiciário. Do lado dos magistrados, respostas vieram com a inclusão de Bolsonaro na lista de investigados pelo inquérito das Fake News do Supremo, a abertura de investigação no TSE contra o presidente em meio a ataques ao sistema eletrônico de votação e até a prisão de aliados, como o ex-deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, e do blogueiro Wellington Macedo.
Em outro flanco, o corredor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luís Felipe Salomão, determinou que as empresas que administram redes sociais suspendam repasses de dinheiro a páginas bolsonaristas investigadas por disseminar fake news. Nas últimas semanas, Bolsonaro proferiu discursos com ameaças golpistas e elevou o tom contra Barroso e Moraes, sob a alegação de defesa de liberdades individuais. Ele tem trabalhado ativamente para mobilizar apoiadores aos atos de 7 de setembro, em uma tentativa de demonstrar força política. O presidente diz que joga “dentro das quatro linhas da Constituição” e alega que os magistrados é que extrapolam as regras democráticas.
“Essas uma ou duas pessoas têm que entender o seu lugar. E o recado de vocês, povo brasileiro, nas ruas, na próxima terça-feira, dia 7, será um ultimato para essas duas pessoas”, disse na sexta-feira (2) após agenda na cidade de Tanhaçu (BA). “Curvem-se à Constituição, respeitem a nossa liberdade, entendam que vocês dois estão no caminho errado porque sempre dá tempo para se redimir”, prosseguiu. Ontem (4), sob gritos de “fora, Alexandre” de apoiadores, Bolsonaro disse que há possibilidade real de ruptura institucional e que “210 milhões de pessoas não serão reféns de uma ou duas”. Durante discurso em Caruaru (PE), afirmou que o país tem um “encontro com o destino” no próximo 7 de setembro.
“Essa é a voz do povo. Não podemos admitir que um ou dois homens ameacem a nossa democracia ou a nossa liberdade. Se aparece um dos meus 23 ministros que tenham comportamento fora da Constituição, eu chamo a atenção dele e, se ele não se enquadrar, eu o demito. O mesmo acontece com a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Lá, quando alguém age fora das quatro linhas da Constituição, geralmente ele é chamado pelo Conselho de Ética e a vida dele é acertada. O nosso Supremo Tribunal Federal não pode ser diferente. Se lá tem alguém que ousa continuar agindo fora das quatro linhas da Constituição, aquele Poder tem que chamar essa pessoa e enquadrá-la e lembrar que ele fez o juramento de cumprir a Constituição. Se assim não ocorrer em qualquer um dos Três Poderes, a tendência é acontecer uma ruptura. Ruptura essa que eu não quero nem desejo. Tenho certeza, nem o povo brasileiro assim o quer. Mas a responsabilidade cabe a cada Poder. E eu apelo a esse outro Poder que reveja a ação dessa pessoa que está prejudicando o destino do Brasil”, afirmou.
O que esperar?
Há um consenso entre analistas políticos consultados de que as manifestações de 7 de setembro serão decisivas para o futuro das relações entre Bolsonaro e o Judiciário, e que têm implicações que vão desde o andamento da agenda legislativa até a movimentação de peças para as eleições de 2022.
“Conforme forem os acontecimentos e as reações de Bolsonaro na data, as águas podem permanecer como estão: turvas, porém navegáveis; se o presidente avançar sobre alguns limites, a política pode ver as águas mais revoltas com consequências menos claras”, observam os analistas da XP Política. Nos bastidores, uma nova linha parece ter sido traçada no chão: qualquer tentativa de invasão ao Congresso Nacional ou o Supremo Tribunal Federal fatalmente levaria a crise a um patamar possivelmente inédito na redemocratização e que aliados políticos do presidente têm trabalhado para evitar.
“A expectativa é que os eventos sejam numerosos – dado o empenho do bolsonarismo em mobilizar seguidores –, mas que ocorram de forma relativamente pacífica”, dizem os especialistas. Isso seria fundamental para a manutenção de canais de contato entre governo, parlamentares e magistrados em imbróglios como o dos precatórios. “Uma saída que requer clima de diálogo para funcionar, o que seria pouco possível no caso de Bolsonaro extrapolar os limites”, pontuam.
Para o analista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada, o contexto de antecipação do debate eleitoral, de radicalização política e tensão institucional já tornaria as manifestações de 7 de setembro relevantes. Mas o envolvimento direto de Bolsonaro na convocação de apoiadores aumenta significativamente o impacto do evento.
“Já seria em si mesmo um dado relevante. Mas, quando ganha esse contorto com o presidente emprestando capital político e apostando no fruto dessa mobilização, naturalmente ganha outro patamar e afeta a precificação de ativos”, destaca. Independentemente do tom dos atos, o especialista não vê ambiente político para uma acomodação mais duradoura entre os protagonistas da crise atual.
“As manifestações ganharam importância pelo caráter de confronto que Bolsonaro criou. Não é simplesmente uma manifestação a favor dele, é uma manifestação contra o Supremo e os princípios da estabilidade democrática. Deliberadamente foi criado um clima de tudo ou nada para Bolsonaro ‒ o que não é correto”, diz Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores.
O cientista político Cláudio Couto, professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), chama atenção para o significado político do “ultimato” dado por Bolsonaro a ministros do Supremo. “Temos uma tensão institucional que está chegando em seu nível máximo”, alerta. “Quem faz esse tipo de aposta de ultimato e de mobilização das ruas contra as instituições desiste do jogo institucional ‒ e as eleições estão dentro do jogo institucional. Ele deu um passo muito sério para não ter como voltar para o jogo institucional”, disse o professor, que mantém o canal “Fora da Política, não há salvação”, no YouTube.
“Bolsonaro chegou muito perto do que é o limite do que dá para fazer. Hoje ele está mais próximo de um ato de força do que de voltar para o jogo normal. É quase como teoria dos jogos: tem uma hora em que você não tem outra escolha, e a escolha única e possível é a ruptura”, complementa. O professor acredita que o presidente pode apostar no choque institucional por perceber que suas chances de se manter no poder por meio de eleição diminuíram.
“O debate atingiu outro patamar, diante de movimentos concretos questionando pilares institucionais importantes do sistema democrático brasileiro. O voto impresso foi o estopim para que o problema ganhasse outra interpretação e passasse a ser visto como algo passível de ser concretizado”, diz Cortez.
Apesar de toda a tensão envolvendo os atos do 7 de setembro em si, Traumann também trabalha com outros pontos de preocupação no horizonte. “A preocupação número um é o dia 7 [de setembro]. Tudo indica que haverá milhões de pessoas nas ruas. Se Bolsonaro pretende ter uma grande foto de uma manifestação gigante na Avenida Paulista e em outras cidades, ele vai ter”, observa.