Ações contra André Fernandes acirram divisões internas no PSL
Em meio a mais um mal-estar provocado por divisões no PSL cearense, o deputado estadual André Fernandes (agora sem partido) precisará encarar uma batalha judicial para manter a cadeira na Assembleia Legislativa. O requerimento de desfiliação do PSL assinado por ele e a carta de anuência do presidente estadual do partido, o deputado federal Heitor Freire, abriram espaço para que o mandato fosse alvo de ações que pedem a perda do cargo por infidelidade partidária. A situação repercute internamente: enquanto aliados do deputado estadual apontam que ele foi vítima de uma “armação”, a direção estadual do PSL nega ter relação com a iniciativa.
Ao mesmo tempo, no âmbito legislativo, pode se encaminhar, hoje, a tramitação de punição proposta contra ele por quebra de decoro parlamentar. Será lido, na Assembleia, projeto de resolução de autoria da Comissão de Constituição, Justiça e Redação que declara a suspensão temporária do exercício do mandato do deputado por 30 dias, abrindo caminho para a votação da punição em plenário.
Divulgada como “comum acordo”, a saída de André Fernandes do PSL no dia 1º de julho parecia pôr fim a uma briga que já se arrastava desde o ano passado, mas que agora deve ganhar contornos ainda mais acirrados. O requerimento assinado pelo deputado estadual traz pedido de “desligamento em definitivo e sem exposição de motivos”. A resposta, via carta de anuência assinada por Heitor Freire, apesar do tom cordial, é explícita ao classificar a solicitação de desfiliação como “injustificada”. Ao reconhecer que não havia motivos para desfiliação, Fernandes acabou colocando o mandato em rota de colisão com a legislação.
A advogada Isabel Mota, especialista em Direito Eleitoral, explica que é preciso apontar “justa causa” para a desfiliação, a não ser que ela ocorra na janela partidária, período de quatro semanas no ano final do mandato, no qual a troca é permitida. “Desde 2007, o STF (Supremo Tribunal Federal) entendeu que o mandato proporcional e o voto a ele atribuído são do partido político. Então, se o mandato é do partido, e o filiado pretende sair do partido, ele também deverá sair do mandato, a não ser que ele seja expulso ou prove que tem outra justa causa”, explica.
Situações
De acordo com a Lei dos Partidos, trocas são permitidas nos casos de fim ou fusão do partido, de criação de uma nova sigla, desvio do programa partidário ou grave discriminação política pessoal.
Em 2014, a infidelidade partidária tirou o mandato do então deputado estadual Adail Carneiro, que chegou a ser empossado como suplente de Patrícia Saboya, indicada ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). Adail havia trocado o PDT pelo PHS, e a vaga foi contestada pelo ex-colega de sigla, Evandro Leitão (PDT). Adail acabou eleito deputado federal pelo PHS naquele ano.
Aliado de André Fernandes, o também deputado estadual Delegado Cavalcante (PSL) afirma que o colega foi vítima de uma “pegadinha”, uma “armação da pior espécie”. “Ele recebeu o requerimento feito pelo partido e, sem muita experiência, pegou e assinou o requerimento, e o Heitor expediu a carta. Só que, quando eu fui pegar o meu requerimento lá, feito por eles, eu fui examinar e ‘Opa! Tem uma pegadinha’, assinei não”, relatou Cavalcante, que permanece no PSL. “Eu só saio legal. Eles me expulsem, se eles quiserem, mas não saio, não!”, garante. Em caso de expulsão, tanto Cavalcante como André poderiam manter o mandato sem questionamentos.
As ações contra Fernandes na Justiça Eleitoral foram movidas pelo suplente à vaga e pelo próprio diretório nacional do partido. Segundo Cavalcante, a ação do PSL foi premeditada para prejudicar André, em benefício do suplente do partido, Júnior Aquino.
André Fernandes afirmou que, por ora, não vai se manifestar sobre o caso. Já Heitor Freire negou a interferência. “O PSL Ceará não tem relação com o processo movido contra o deputado André Fernandes. A iniciativa é da Executiva Nacional”, disse em nota.
Relembre
Antigos aliados, que costumavam disputar apenas o posto de seguidor mais fiel de Jair Bolsonaro no Ceará, Heitor Freire e André Fernandes não demoraram a romper. Em junho do ano passado, André e Delegado Cavalcante chegaram a acionar o PSL Nacional contra Heitor, alegando que ele desrespeitava o estatuto do partido em benefício de aliados e fazia mau uso de recursos partidários. Também denunciaram a dissolução do diretório de Fortaleza, antes presidido por Fernandes.
O auge da crise veio com o racha do PSL, em outubro, quando foram vazados áudios de uma conversa de Bolsonaro com Heitor, em que o presidente tentava conseguir apoio do cearense para indicar o filho Eduardo Bolsonaro a líder do PSL na Câmara.
Heitor acabou integrando lista de deputados que apoiavam a permanência de Delegado Waldir como liderança, e a briga, por controle da sigla, do fundo eleitoral e da indicação de cargos, acabou levando Bolsonaro a sair do PSL, após queda de braço com Luciano Bivar. Fernandes acusou Freire de “traidor”, enquanto este negou envolvimento no vazamento. O deputado estadual chegou a ser suspenso por 30 dias das atividades da legenda, o que considerou motivo de “prazer e alegria”.
Leitura do parecer
Deve ser lido hoje no plenário da Assembleia Legislativa o parecer aprovado pelo Conselho de Ética da Casa e pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação que recomenda a suspensão por 30 dias do mandato do deputado estadual André Fernandes. A punição foi aprovada em processo contra ele por suposta quebra de decoro parlamentar, após Fernandes acusar, no ano passado, o colega Nezinho Farias (PDT) de integrar facção criminosa.
O processo está pronto para ser votado em plenário – a última etapa – desde março passado. Entretanto, de lá para cá, veio a pandemia e o caso ficou em segundo plano com a suspensão das sessões presencias. Nos últimos meses, deputados pressionaram o presidente da Assembleia Legislativa, deputado José Sarto (PDT), para colocar em votação o processo, em meio a declarações polêmicas de André Fernandes sobre a Covid-19.
Agora, após a leitura do parecer, Sarto deve anunciar o dia da votação final do processo em plenário que, conforme manda o Regimento Interno, deve ser secreta.