Bolsonaro vê Trump como “amuleto da sorte” para virar o jogo político
A presença de Donald Trump é evidente na órbita do ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Jair – Você é DEMAIS”, diz, em inglês, o livro de Trump autografado pelo presidente dos EUA que Bolsonaro exibe orgulhosamente em seu escritório em Brasília, enquanto chama atenção para as fotografias nas quais ele aparece ao lado do americano. Um boné verde traz gravado em letras douradas: “Make America and Brazil great again” ou “Faça a América e o Brasil grandes novamente”. Uma chamada de vídeo com um apoiador que está na América do Norte é encerrada com um “I love Trump”.
Para Bolsonaro, o retorno de Trump à Casa Branca justifica a fé política que ele investiu em seu colega presidente. Bolsonaro, 69 anos, apelidado de “Trump dos Trópicos” quando no cargo, considera Trump como seu potencial caminho para a redenção política.
“Estou muito feliz”, disse Bolsonaro em uma rara entrevista em seu escritório na sede do PL em Brasília na terça-feira.
Ele está animado com o retorno do homem a quem se refere como Trumpão ou Cenourão, em uma referência ao bronzeado permanente do presidente americano. Ele considera que seu companheiro líder conservador tem uma linha de ação clara e realista aplicável também ao Brasil sob sua liderança, incluindo a exploração de minérios em reservas indígenas e evitar o petróleo da Venezuela de Nicolas Maduro.
“Você não tira um país como esse do atoleiro sendo amiguinho de todo mundo, ‘amigue’ de todo mundo”, disse Bolsonaro.
Isso se estende à deportação de migrantes sem documento, que inclui milhares de brasileiros, seus eleitores entre eles – Bolsonaro teve mais votos entre a diáspora dos EUA em 2022, mesmo perdendo a presidência para Luiz Inácio Lula da Silva. Sua resolução para esse dilema é tipicamente contundente: “É a lei dele”, disse ele sobre os EUA de Trump. “Se você não quer ser deportado, entre legalmente lá.” Ele agora vê Trump como uma maneira de ajudá-lo a se desvencilhar de suas próprias dificuldades legais e retomar ambições políticas.
Dois anos após a ascensão de Trump à presidência em 2016, com uma campanha baseada em “América Primeiro”, Bolsonaro conseguiu o mesmo feito no Brasil, com os mandatos se sobrepondo. A presidência de um único mandato do ex-oficial do exército deixou um legado de polarização política que ainda assombra a maior economia da América Latina, e encontrou expressão na invasão das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023, dias após a posse de Lula.
Bolsonaro gosta de traçar os paralelos entre ele e Trump. “Muita coisa que aconteceu nos EUA também acontece aqui”, afirmou na entrevista de mais de 90 minutos, em uma sala de reuniões em que o vazio da parede atrás dele é interrompido apenas por uma pintura de Bolsonaro com a faixa presidencial no peito. Na parede ao lado, um mapa gigante do Brasil. Na outra, fotos pelo país, inclusive imagens aéreas de suas motociatas.
“Eu levei uma facada aqui, Trump levou um tiro lá. Ele teve 6 de janeiro, eu tive 8 de janeiro. Fiquei muito feliz com a anistia que ele deu a todos [envolvidos na invasão do Capitólio]. Eu espero que nós não tenhamos que chegar a eleger um conservador em 2026 para conseguir essa anistia.”
As semelhanças terminam aí. Enquanto Trump conseguiu transformar a tomada do Capitólio em algo para sua reeleição, Bolsonaro corre o risco de ir para a prisão por suposta tentativa de golpe no Brasil. “Eu durmo bem, mas já estou preparado para ouvir a campainha tocar às 6h: ‘É a PF!’” disse.
Bolsonaro reafirmou que não quer fugir do país ou se refugiar em nenhuma embaixada para evitar a prisão. O ex-presidente disse que é perseguido e afirma que seu antigo ajudante de ordens, o tenente coronel Mauro Cid, acusou ele e a família “porque ele está sendo chantageado”. Ele rejeitou as alegações de Cid como “absurdas.”
Bolsonaro negou ter tentado dar um golpe, mas disse que discutiu com aliados a possibilidade de decretar estado de sítio e recuou.
Bolsonaro já enfrenta uma inelegibilidade de oito anos para exercer cargos políticos depois que o Tribunal Superior Eleitoral o condenou, acusando-o de ter abusado de seu poder ao realizar uma reunião com embaixadores estrangeiros para lançar dúvidas sobre o sistema de votação do país. É uma afirmação que ele ainda mantém, embora diga que no Brasil se você duvidar de “urna eletrônica e de vacinas, você é criminoso”.
Sua esperança é que Trump e outros líderes da direita nacionalista como o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban e o presidente argentino Javier Milei ajudem a reverter a situação antes da próxima eleição presidencial do Brasil, prevista para outubro de 2026.
Bolsonaro aposta em uma mobilização internacional de forças de direita para pressionar politicamente autoridades brasileiras a reconhecer que “as eleições no Brasil não estão sendo justas porque não tem oposição” – uma estratégia não muito diferente da que Lula adotou quando estava prestes a ser preso por corrupção. Lula acabou indo para a prisão, mas o caso foi posteriormente anulado, permitindo-lhe concorrer com sucesso a um terceiro mandato.
“Não tem cabimento o Lula concorrer no Brasil, ou um candidato indicado por ele, sem oposição. Hoje a oposição ao Lula sou eu. Qualquer outro nome tem o risco seríssimo de perder para ele”, afirmou. Realizar eleições sem seu nome na cédula, disse Bolsonaro, seria “negar a democracia”.
Um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro, tem trabalhado na frente internacional para dar visibilidade ao seu apelo. A Conferência de Ação Política Conservadora, a CPAC, aliada a Trump, é um alvo do clã Bolsonaro.
Jair Bolsonaro considera novamente pedir autorização do Supremo Tribunal Federal para deixar o Brasil e participar da CPAC em Washington, em fevereiro. O último pedido de Bolsonaro, para comparecer à posse de Trump, foi negado.
Exatamente como ele espera que Trump intervenha a seu favor é um segredo discutido apenas na família Bolsonaro. “Eu não vou falar publicamente o que estou pedindo para o Trump, o que eu gostaria que ele fizesse”, disse.
