Entrevista: Camila Lanes quer atrair pessoas comuns para a política
A candidata do PC do B à prefeitura de Curitiba, Camila Lanes, começou sua atuação política no movimento estudantil. Foi presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e participou das ocupações de escolas, em 2015, em protesto contra a reforma do ensino médio. Com apenas 24 anos, ela disputa sua segunda eleição, depois de ser candidata a deputada federal em 2018. E não teme a polarização entre esquerda e direita, que tomou conta do País, fazendo ressurgir até o “fantasma” do comunismo no debate político.
Em entrevista ao Bem Paraná, ela explica porque tem como uma das bandeiras de campanha, atrair as pessoas comuns para o processo político. E diz que um dos principais desafios do próximo prefeito é garantir que as pequenas e microempresas não fechem as portas por causa da redução da atividade econômica motivada pela pandemia do Covid-19.
Bem Paraná – Se hoje fosse 1º de janeiro, qual seria sua primeira medida como prefeita?
Camila Lanes – Minha primeira medida seria, caso eleita, garantir que nós não tenhamos uma segunda onda de contágio de Covid-19. Nós estamos acompanhando todo o Brasil, os estados lutando para chegar à bandeira azul, de queda dos casos. O nosso estado segue na bandeira amarela. O nosso município vive uma constante retirada e retomada do comércio e do aumento e da baixa das bandeiras. Então a primeira medida seria reforçar nossas equipes de saúde para garantir o atendimento amplo, a testagem das pessoas e o controle do contágio para que a gente não enfrente uma segunda onda e tenha que parar de novo a cidade, e causar toda uma crise econômica, social e educacional por conta da pandemia.
BP – Bolsonaro fez mais de 70% dos votos na última eleição em Curitiba. E com a polarização, até o “fantasma” do comunismo voltou à pauta da política no País. Como uma candidatura do Partido Comunista do Brasil se encaixa nesse cenário?
Camila – Se encaixa trazendo e retomando um debate da política. Hoje, em especial após a eleição do Bolsonaro, a disputa entre esquerda e direita se resume a duas grandes figuras que representam dois projetos totalmente opostos. Mas na verdade, o que nos difere do governo Bolsonaro, ou dos partidos de direita, não é somente uma inimizade ou a discordância de um projeto ou de uma pessoa. No primeiro debate em que eu participei me foi perguntado o que eu achava do debate. Eu declarei que fiquei muito feliz porque não foi aquela velha conversa entre direita e esquerda, mas sim, a gente conseguiu pontuar a diferença dos projetos apresentados. A ousadia do PC do B em lançar uma jovem mulher é de justamente trazer isso. Que é possível debatermos sim política seja com uma pessoa de uma ala mais conservadora, seja mais progressista, mas que o que deve ser debatido não são frases de efeito, bandeiras determinadas. Acima de tudo a gente tem que debater um projeto de cidade, de governo, planos de atuação para enfrentamento dos retrocessos que temos visto.
BP – O que trouxe da sua trajetória do movimento estudantil para a política?
Camila – Primeiro a participação popular na política. O movimento estudantil me ensinou o quanto precisamos atrair e trazer pessoas comuns para a política. Precisamos dessasociar a participação na política de pessoas que têm um histórico, financiamento. Para a política ser comum precisamos de pessoas comuns na política. E o segundo é a defesa da educação pública. Eu vim desse movimento estudantil secundarista. Pude viajar por todas as capitais do País. Pude representar o Brasil em outros países em encontros internacionais sobre educação e juventude. E hoje trago como principal proposta tornar Curitiba um modelo em educação no País. Porque nossa cidade é modelo em tantas outras coisas, menos em educação. E nós entendemos que a educação é uma saída real para muitos problemas que temos em nossa cidade. E o movimento estudantil me ensinou que a gente ocupe o espaço, que esteja presente, se faça participando. Não é à toa que hoje a gente vê o crescimento exponencial tanto de mulheres e jovens no processo eleitoral, em especial jovens e mulheres pretas. E isso é claramente uma demonstração de que as pessoas comuns querem fazer parte da política. E a defesa da educação. Acredito que a educação é uma grande porta para trazer a Curitiba reconhecimento aqui na cidade e fora dela.
EDUCAÇÃO
‘Somos contra a volta às aulas neste ano’
Bem Paraná – Como vê a questão da voltas às aulas com a pandemia?
Camila Lanes – No meio da pandemia, muitos estudantes das escolas particulares, seus pais decidiram retirar eles dessas instituições por conta da crise financeira e todo o impacto que a pandemia trouxe, tanto para as classes mais baixas quanto das classes média e alta. Nós já temos um problema em Curitiba. Nós temos 9 mil crianças sem vagas nas creches públicas. Isso significa que em 2021 esses mesmos estudantes que tinham vagas nas creches privadas potencialmente vão querer acessar as vagas nas creches públicas. A gente precisa expandir o número de salas, garantir a contratação de mais profissionais, e que a estrutura física das creches e das escolas municipais tenham condições de receber o retorno. Eu acho que atualmente nós não temos. Não é possível que em meio à uma pandemia a gente ache normal retornar às salas de aula. Porque quem é da área de educação ou mesmo da saúde sabe que o retorno da aula tem um impacto real na cidade, porque tudo volta à funcionar. Todo um organismo que fica em volta dessas instituições, da comunidade, volta a funcionar. Isso significa que a gente teria maciçamente muito mais pessoas nas ruas. Nós somos contra o retorno das aulas este ano porque entendemos que é impossível garantir que as crianças, principalmente as mais pequenas, garantir que elas fiquem em distanciamento, que elas não vão querer se abraçar, não vão querer brincar. A gente precisa ter controle sanitário, uma limpeza real, isso só vai garantir quando a gente tiver até mesmo condições orçamentárias. Nossa proposta é criar um plano emergencial de retorno às aulas. Planejando o retorno, entendendo quais são as áreas mais afetadas pelo contágio. Entendendo, inclusive qual a rotina daquele estudante. Garantindo que essa criança não vai levar o Covid para dentro casa ou para dentro da sala de aula. Esse debate, inclusive, das aulas remotas nos trouxe a necessidade de enfatizar a importância da universalização do acesso à internet. Porque não adianta, simplesmente, colocar uma aula remota se não garantir que todos os estudantes tenham acesso igual ao ensino, e que os professores tenham formação para fornecer esse tipo de educação. O retorno das aulas é o retorno da cidade, então nós precisamos planejar muito bem.
BP – Como vê a maneira com que a atual gestão lidou com a pandemia?
Camila – Um fechamento muito precoce. A gente viu que em março, lá atrás, nossa cidade já começou a parar aos poucos. O primeiro setor afetado foi o turismo e a cultura, que são setores que necessitam em especial, de público, de contato. De lá para cá o atual prefeito não teve a sensibilidade para ouvir a Secretaria da Saúde. Nós temos uma secretária da Saúde que fez algumas recomendações que para mim foram acertadas. A não abertura do comércio, academias, shoppings, parques, para evitar que as pessoas fizessem aglomerações por parte de encontros sociais. E essa contrapartida do Rafael (Greca) de abrir as academias, depois shopping e parques acaba confundindo os curitibanos. Infelizmente, por mais que não tenhamos números estratosféricos de mortes, apesar de 1 mil mortes é um número muito trágico. Poderia ter sido evitado.
BP – Qual o desafio do próximo prefeito nesse cenário?
Camila Lanes – Garantir que a economia não trave, que o pequeno e microempreendedor não chegue à falência. Garantir que a educação não seja o principal cenário de aglomeração e contágio. Eu me preocupo com a forma que as aulas podem voltar e podem ser aí sim ser o responsável por uma segunda onda de contágio pelo impacto que a educação tem na cidade. E acima de tudo, garantir a saúde. Todos nós entendemos que o Covid mudou, inclusive o planejamento de saúde de pessoas que estavam há meses esperando por cirurgia, por procedimentos, e não tiveram condições de que esses serviços fossem prestados pelas restrições da pandemia. A saúde é de fato uma das questões estruturantes que precisam ser garantidas. Renda, emprego e educação e saúde.
ANISTIA A IGREJAS
‘Apoio a decisão da bancada do partido’
Bem Paraná – Seu programa de governo fala em desprivatização dos serviços públicos. Quais serviços seriam desprivatizados e de que forma?
Camila Lanes – Hoje Curitiba tem a terceirização de serviços de saúde e as concessões com instituições privadas no ensino básico. Nós queremos primeiro entender porque essas concessões foram feitas e porque hoje existe dinheiro público sendo destinado para instituições privadas. Não entendo que isso precise ser eliminado, mas é algo que precisa ser estudado e entendido. Nós temos 9,1 mil crianças fora das creches, porque o dinheiro que está indo para instituições privadas não foi destinado para a construção de novas creches, para a reforma de creches que necessitam de melhoramentos, para a contratação de novos profissionais. E a saúde na mesma via. A gente tem hoje uma UPA privatizada que é a da CIC. A gente sabe, tem pesquisas que os moradores locais se identificaram melhor porque o atendimento melhorou. Só que a gente precisa entender que a prefeitura não pode se banalizar das suas obrigações. E garantir saúde e educação no nível municipal é obrigação da prefeitura e não de instituições privadas. Nós podemos, sim, garantir parcerias com o setor privado, mas a prefeitura não pode, simplesmente, jogar a responsabilidade no setor privado e acha que eles vão desenvolver um plano que o prefeito prometeu na sua última eleição. Além disso, nós temos também obras que estão há anos acontecendo e a gente precisa entender como a prefeitura pode fazer de fato com que essas obras saiam do papel ou sejam concluídas o mais rápido possível.
BP – Qual a sua opinião sobre o subsídio da prefeitura às empresas de ônibus, a título de compensar a perda de passageiros por causa da pandemia?
Camila Lanes – Acho que esse argumento que a prefeitura dá é muito ruim, porque nos últimos dez anos o número de usuários vem caindo cada vez mais. Hoje nós temos 300 mil usuários, no começo da década era quase 1 milhão. A prefeitura, ao invés de utilizar esses R$ 200 milhões para, por exemplo, comprar passagens para aquele curitibano em vulnerabilidade social que não tem condições de pagar R$ 4,50 para pegar um ônibus, a tarifa mais cara do País, decidiu doar esse dinheiro para as empresas privadas. Existe um debate sobre o contrato de concessão das empresas. Da extinção da tarifa técnica que faz de Curitiba a cidade que cobra mais caro, nem o metrô de São Paulo é tão caro. A gente quer garantir o passe livre para os estudantes, desburocratizando e ampliando. Queremos implementar um novo modelo de estações, porque o atual modelo do tubo é muito caro, custa R$ 2 milhões para ser feito e instalado, ele também não serve mais como modelo porque foi feito para o embarque rápido e não para você ficar 20, 25 minutos esperando o ônibus passar. Reimplementar uma tarifa domingueira. A gente quer ver porque isso foi retirado. E garantir os horários programados dos ônibus.
BP – Causou muita polêmica o voto da bancada do PCdo B na Câmara que garantiu a anistia de dívidas das igrejas. O que tem dizer sobre isso?
Camila Lanes – Esse projeto não é de hoje. Nós somos um partido que tem em especial no seu histórico a defesa da liberdade religiosa. E nós entendemos que essa votação não atinge apenas as maiores igrejas. Atinge a todas as matrizes de instituições religiosas. Eu confesso que o impacto dessa notícia foi muito maior do que esperávamos. Mas eu tenho certeza que a decisão tomada no Congresso não foi tomada por impulso. Eu conheço muito bem o partido, pude acompanhar o Comitê Central. E sei que cada decisão é estudada e debatida. Eu, inclusive, coloquei total apoio da decisão. Acredito que em alguns meses vamos saber o real impacto dessa decisão.