Estudo brasileiro mostra que azitromicina não tem eficácia no tratamento do CoronaVírus
Um novo estudo da Coalizão Covid-19 Brasil revela a ineficácia do antibiótico azitromicina em pacientes graves da Covid-19. O medicamento não resultou em melhora clínica dos pacientes, como apontam os autores da pesquisa publicada nesta sexta-feira (4) no The Lancet, uma das principais revistas científicas do mundo.
“O uso da azitromicina não melhora a evolução clínica de pacientes com Covid-19 em estado grave. Os achados do estudo, portanto, não sustentam a indicação do uso rotineiro desta terapia no tratamento da doença em casos graves”, afirmou, em nota, a coalizão formada por oito organizações de saúde do País (Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital do Coração – HCor, Hospital Sírio Libanês, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Brazilian Clinical Research Institute – BCRI, e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva – BRICNet).
Atualmente, a azitromicina é o segundo remédio mais usado no mundo para pacientes graves com Covid-19. Para o pesquisador Renato Lopes, diretor da BCRI (Brazilian Clinical Research Institute) e integrante do comitê executivo da coalizão, a mais recente descoberta pode contribuir para mudar a prática clínica adotada até o momento no cuidado aos pacientes. “A azitromicina tornou-se o segundo medicamento mais utilizado para tratar pacientes com Covid-19 sem nenhuma evidência científica.
Nosso grupo, por meio de mais uma pesquisa de alto nível e realizada em tempo recorde, mas mantendo o rigor científico, aponta uma resposta para o mundo: não há vantagem em se usar azitromicina rotineiramente para pacientes graves com Covid-19. Essa conclusão é baseada na metodologia padrão-ouro da pesquisa clínica. Portanto, diretrizes e protocolos hospitalares nacionais e internacionais deverão agora usar nossos achados para reformularem suas condutas padrões no tratamento de pacientes graves com Covid-19″, ressalta Lopes.
O cardiologista Alexandre Biasi, pesquisador do HCor e membro do comitê executivo do Coalizão Covid-19 Brasil, explica que, por ser um medicamento eficaz contra as bactérias, a azitromicina foi bastante utilizada no início da pandemia para evitar que os pacientes fossem acometidos também por uma infecção de origem bacteriana.
Além disso, a resposta do medicamento contra a inflamação que acomete os pacientes levou a comunidade médica a acreditar que ele teria um efeito benéfico no combate aos sintomas da doença. No entanto, o trabalho dos cientistas brasileiros mostrou que o uso do antibiótico não surtiu o efeito imaginado. “Como não há efeito benéfico, recomendamos que a comunidade médica considere a não prescrição do medicamento, que tem sido bastante usado no combate ao novo coronavírus, mas cujos efeitos benéficos ainda não foram comprovados”, afirma Biasi.
Como foram feitas as pesquisas
Intitulado Coalizão II, o estudo brasileiro é pioneiro na avaliação randomizada (considerada o “padrão ouro” das pesquisas científicas) do efeito da adição da azitromicina à terapia padrão em pacientes graves. As pesquisas tiveram início em 28 de março e analisaram 397 pessoas infectadas com a covid-19 e que apresentaram, ao menos, um dos seguintes critérios de gravidade: necessidade de uso de mais de 4 litros de oxigênio por dia, uso de cânula nasal de alto fluxo, de ventilação não invasiva com pressão positiva ou de ventilação mecânica.
Além disso, todos os participantes eram portadores de fatores de risco para agravamento da doença (hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares e insuficiência renal crônica), sendo que metade estava em ventilação mecânica a partir do começo das avaliações.
Por meio de randomização (sorteio), 214 pacientes receberam azitromicina mais o tratamento padrão e 183 receberam tratamento padrão sem azitromicina. O tratamento padrão incluía todas as medidas de suporte hospitalar, uso de outros tratamentos como antivirais e, conforme padrão da época da realização do estudo, hidroxicloroquina. A azitromicina foi ministrada em doses diárias de 500 mg por via oral, nasogástrica ou intravenosa durante dez dias.
Os pacientes foram acompanhados durante 29 dias, mas a principal análise foi feita com base no estado clínico dos participantes 15 dias após a implantação dos regimes terapêuticos. A avaliação considerou seis aspectos: ter recebido alta, mas manifestar sequela; estar internado, porém sem limitações; permanecer internado e continuar recebendo oxigênio; precisar de oxigênio, mas sem ventilação mecânica; fazer uso de ventilação mecânica e, por fim, ter vindo a óbito.
Os resultados da análise principal não indicaram nenhuma diferença entre os grupos na chance de melhora, considerando a escala de seis pontos usada para aferir a evolução clínica. Também não houve diferença importante no tempo médio de internação, nem na mortalidade, entre os pacientes. Entre aqueles que utilizaram o antibiótico, a taxa de óbitos, após 29 dias, foi de 42%. Já entre o grupo controle, de 40%. De acordo com os pesquisadores, a elevada taxa de óbito demonstra a gravidade desta população e a necessidade de pesquisas adicionais para identificação de terapias seguras e eficazes.
A publicação mostrou ainda que a incidência de eventos colaterais foi semelhante nos dois grupos de pacientes. Entre os que receberam a adição da azitromicina ao tratamento padrão, por exemplo, 39% apresentaram insuficiência renal e precisaram ser submetidos à diálise. No grupo dos medicados apenas com a terapia padrão, o índice foi de 33%.
O Coalizão II é o terceiro estudo publicado pela Coalizão covid-19 Brasil em pouco mais de um mês. O primeiro, divulgado no The New England Journal of Medicine no dia 23 de julho, mostrou a ineficácia da hidroxicloroquina no tratamento de pacientes em estados leve e moderado. O segundo foi publicado no dia 2 de setembro no Journal of the American Medical Association (JAMA) e apontou a eficácia da dexametasona no tratamento de pacientes graves.
A publicação marca um feito inédito. É a primeira vez que um mesmo grupo de pesquisadores publica artigos em três grandes periódicos científicos em um período de pouco mais de um mês. “A Coalizão covid-19 Brasil une diferentes instituições do País, produzindo conhecimento de forma compartilhada.
A publicação desses três artigos em referências tão importantes para a ciência mundial demonstra a força da pesquisa no Brasil”, afirma o cardiologista Otavio Berwanger, diretor da ARO (Academic Research Organization) do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, e integrante do comitê executivo da Coalizão. Há outras seis pesquisas em andamento sob a coordenação do grupo visando a avaliação da eficácia e da segurança de potenciais terapias para pacientes com Covid-19