EUA pressionam por cancelamento de ida de Bolsonaro à Rússia em meio à escalada de tensões na fronteira com a Ucrânia
Os Estados Unidos têm pressionado o governo de Jair Bolsonaro (PL) a cancelar a viagem do presidente brasileiro a Moscou, programada para ocorrer em meados de fevereiro, em mais uma ação para tentar isolar o líder russo, Vladimir Putin, em meio à escalada de tensões na fronteira com a Ucrânia.
Diplomatas americanos expressaram preocupação com o “timing” da visita. Na avaliação da Casa Branca, a recepção de Bolsonaro por Putin passaria a mensagem de que o Brasil apoia as ações do Kremlin no Leste europeu, dando legitimidade a algo que os EUA consideram uma violação do direito internacional.
Para o governo de Joe Biden, o cancelamento seria mais uma forma de mostrar a Putin que ele enfrentará isolamento diplomático caso não reduza a presença militar nas fronteiras ucranianas. O mesmo recado foi transmitido à Argentina, cujo presidente, Alberto Fernández, visita a Rússia nesta semana.
A crise foi desencadeada depois de o Kremlin mobilizar de 100 mil a 175 mil soldados em zonas próximas às fronteiras com a Ucrânia. Os Estados Unidos e aliados da Otan, a aliança militar ocidental, acusam Putin de preparar uma invasão do país vizinho, como fez em 2014, quando anexou a Crimeia.
Moscou, por sua vez, rejeita a expansão da Otan sobre territórios próximos à Rússia e quer a garantia de que a Ucrânia jamais fará parte do grupo. Putin nega qualquer intenção de promover uma invasão militar.
Segundo interlocutores, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, durante conversa por telefone neste domingo (30) com o chanceler Carlos França, levantou novamente preocupações de que a viagem de Bolsonaro à Rússia seja interpretada como sinal de que o Brasil está tomando um lado no conflito.
Embora nas conversas não exista um pedido explícito de cancelamento da agenda, os argumentos americanos deixam claro que Washington atua para que a viagem não vá adiante e seja ao menos adiada.
Ainda de acordo com pessoas que acompanham o tema, o Itamaraty tem destacado aos interlocutores americanos que a passagem por Moscou não representará um respaldo de Bolsonaro a qualquer um dos lados. Afirmam ainda que as reuniões do presidente serão centradas na extensa pauta das relações bilaterais do Brasil com a Rússia –um parceiro do Brics (bloco também formado por Índia, China e África do Sul)–, que nada têm a ver com a situação geopolítica no Leste da Europa.
Diplomatas brasileiros dizem que, até agora, não há qualquer disposição em cancelar a ida a Moscou.
Nesta segunda (21), em entrevista à TV Record, Bolsonaro adotou o discurso do Itamaraty e afirmou que não pretende tratar da crise ucraniana com Putin. “A gente espera que tudo se resolva no maior clima de tranquilidade e harmonia, o Brasil é um país pacífico. Obviamente, se esse assunto [crise na Ucrânia] vier à pauta, será por parte do presidente Putin. Não da nossa parte”, disse o líder brasileiro.
O convite a Bolsonaro para ir a Moscou e o recém-iniciado mandato do Brasil no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas) colocaram o Itamaraty no radar de Washington no esforço para isolar Putin. Blinken, por exemplo, tratou do tema com França em telefonema anterior, em 10 de janeiro.
Além de manifestar receio em relação à viagem, o responsável pela diplomacia americana pediu na conversa deste domingo que o Brasil se aliasse aos EUA no Conselho de Segurança da ONU e votasse pela realização, nesta segunda, de uma reunião no órgão sobre paz e segurança na Ucrânia. A Rússia, com o apoio da China, foi contra o encontro. No entanto, dez membros do colegiado (incluindo EUA, França, Reino Unido e Brasil) votaram a favor da convocação. Índia, Quênia e Gabão se abstiveram.
Durante a sessão, o embaixador do Brasil junto à ONU, Ronaldo Costa Filho, fez um discurso em que tentou se equilibrar entre os dois lados da disputa, sem se alinhar com um ou com outro. O país é contra intervenção em assuntos internos e ameaças de agressão contra uma nação, por um lado, mas também se opõe a sanções unilaterais –como americanos e aliados sinalizam que podem adotar contra a Rússia.
“A proibição do uso da força e a resolução pacífica de disputas e o princípio de soberania e integridade territorial e a proteção de direitos humanos são pilares do nosso sistema coletivo de segurança. O Brasil também ressalta a necessidade de boa-fé com o objetivo de abordar as preocupações de segurança legítimas de todas as partes, inclusive as da Rússia e da Ucrânia”, afirmou o diplomata brasileiro.
Procurada, a embaixada americana em Brasília afirmou que os EUA e diversos outros países estão preocupados “com o papel desestabilizador que a Rússia está desempenhando na região [Leste europeu]”. “EUA, Brasil e outras nações democráticas têm a responsabilidade de defender os princípios democráticos e proteger a ordem baseada em regras, além de reforçar esta mensagem à Rússia em toda oportunidade.”