Há crise, mas não é política

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A ameaça de uma crise política não passou disso mesmo. António Costa não quer eleições antes das autárquicas, mas os socialistas não vão perder nenhuma oportunidade para pressionar os partidos à sua esquerda.

As razões dadas pelos socialistas ouvidos pelo SOL para que seja impensável provocar uma crise política são várias: a impossibilidade de o Presidente da República dissolver a Assembleia da República, a  presidência portuguesa da União Europeia no primeiro semestre de 2021 ou a crise económica provocada pela pandemia.

«O_PS não quer nenhuma crise política», diz ao SOL um dirigente socialista. O aviso deixado por António Costa, que numa entrevista ao Expresso disse que «se não houver acordo (…) não há Orçamento e há uma crise política», é explicado com a necessidade de pressionar a esquerda numa altura em que não é possível ceder a muitas das reivindicações devido à crise económica provocada pela pandemia.

«Há uma indefinição do BE e do PCP. Não podem estar sistematicamente a apresentar propostas irrealistas», desabafa um deputado socialista.

As negociações já arrancaram com António Costa a definir as regras do jogo. O primeiro-ministro deixou claro que só está disponível para negociar com os partidos de esquerda. A ideia é não deixar ninguém de fora.

A possibilidade de fazer um acordo só com o BE não é bem vista pelos socialistas.

Depois de acenar com o risco de uma crise política, António Costa garantiu que existem «excelentes condições» para chegar a um acordo. O Governo já reuniu com o BE e o PAN. A reunião com o PCP ficou adiada e deverá acontecer nas próximas semanas.

Convenção socialista apela ao entendimento

A Conferência Nacional do PS, em Coimbra, no início desta semana, ficou marcada pelos muitos apelos aos partidos de esquerda para que contribuam para uma solução estável numa altura em que o país atravessa uma situação delicada.

«Os portugueses e as portuguesas terão certamente razões para julgar com severidade os que virarem as costas ao futuro», alertou o presidente do partido, Carlos César.

Foi evidente a preocupação dos socialistas em não hostilizar o Bloco e o PCP numa altura em que os antigos parceiros são essenciais para viabilizar o orçamento do Estado para 2021.

Apesar disso, Carlos César alertou que «o Governo, neste tempo decisivo, não pode depender de humores acidentais».

No discurso de encerramento da convenção socialista, César lamentou que quase todos sejam críticos quando surgem dificuldades e apelou a que exista vontade política para promover compromissos.

PS avisa que o tempo não está para agendas irrealistas

Ana Catarina Mendes já tinha definido que o Governo quer acordos com os partidos de esquerda, mas alertou que «o tempo não está para agendas irrealistas feitas de pressões, chantagens ou olhares para o umbigo». Ou seja, os bloquistas e o PCP têm moderar as reivindicações, porque «é fundamental garantir, neste tempo de dificuldades, a estabilidade política necessária para dar resposta aos problemas que teremos de enfrentar».

Para a líder parlamentar do PS, os acordos devem ser feitos à esquerda. «Para isso, contamos, naturalmente, com o sentido de responsabilidade dos demais partidos que connosco fazem a maioria de esquerda de que o parlamento hoje dispõe, respeitando sempre as diferenças de cada um, mas pondo sempre o interesse de Portugal acima de qualquer agenda ou taticismo partidário».

Depois de o primeiro-ministro ter rejeitado qualquer acordo com o PSD para viabilizar o Orçamento do Estado para 2021, Ana Catarina Mendes lembrou que, em 2015, os socialistas rejeitaram o Bloco Central porque «a receita que a direita tem para oferecer é exclusivamente feita de cortes e de austeridade». E acrescentou: «em 2020 continuamos a confiar que o país precisa de uma agenda de progressista. É, sobretudo, em tempos de dificuldades que a esquerda tem que dizer presente. Toda a Esquerda».

A esquerda não gostou  de ouvir o primeiro-ministro ameaçar com uma crise política numa altura em que estão a começar as negociações do Orçamento do Estado para o próximo ano.

Bloco e PCP condenam ameaça de Costa

Catarina Martins defendeu que «não resolve nada e não mobiliza ninguém».

Nas redes sociais, os bloquistas acusaram António Costa de estar a fazer «chantagem» para limitar as negociações.

O PCP, em comunicado, defendeu que «os problemas não se resolvem ameaçando com crises».

Os comunistas esclareceram que o Orçamento do Estado para 2021 «tem sobretudo de abrir caminho a uma política que responda plenamente aos problemas nacionais, só possível com a rutura com opções de subordinação aos interesses do grande capital e de submissão às imposições da União Europeia».

Jerónimo de Sousa deverá abordar as negociações com o PS no discurso que fará amanhã, no comício de encerramento da Festa do Avante!.

As negociações não serão fáceis numa altura em que a margem não é muita para ceder às reivindicações dos antigos parceiros da ‘geringonça’, mas a pressão para que o orçamento seja viabilizado também é muita.

Marcelo Rebelo de Sousa já alertou várias vezes que «em cima da crise da saúde e da crise económica, uma crise política seria uma aventura total».

O Presidente só pode dissolver a Assembleia da República até ao dia 8 de setembro. A Constituição da República define que o Parlamento não pode ser dissolvido «nos seis meses posteriores à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República ou durante a vigência do estado de sítio ou do estado de emergência». Ou seja, a conjuntura coloca pressão sobre todos os partidos para que exista abertura para negociar e chegar a um acordo para aprovar o orçamento do Estado.

Em busca de uma nova ‘geringonça’

Mais difícil é conseguir um entendimento duradouro como pretende António Costa. «É quase impossível renovar os acordos escritos», admite ao SOL_um socialista.

Na conferência nacional do PS, Costa defendeu que Portugal precisa de «um consenso» político e social, porque «o país não tem pela frente uma corrida de cem metros. Esta é uma maratona do ponto de vista sanitário. Mas é também uma maratona dos pontos de vista económico e social».

O primeiro-ministro já tinha desafiado, no debate sobre o estado da Nação, um «entendimento sólido e duradouro», ou seja, a renovação da ‘geringonça’. «Se foi possível antes, certamente será possível agora», avançou, nessa altura, o primeiro-ministro.  

Ao contrário do que aconteceu em 2015, os partidos de esquerda não conseguiram entender-se, no início desta legislatura, para fazer escritos. Até havia disponibilidade de António Costa para voltar a sentar-se à mesa com os bloquistas e comunistas, mas Jerónimo de Sousa avisou cedo que não estaria disponível para uma nova ‘geringonça’.

Socialistas e bloquistas ainda tentaram negociar, mas não chegaram a acordo. O PS não quis fazer um acordo com o partido de Catarina Martins e deixar o PCP de fora.

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