Indicação ao Supremo coroa a frágil união de Bolsonaro à política tradicional

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A indicação de Kássio Nunes ao STF, salvo alguma novidade de última hora que a aborte, coroa o processo de busca da normalização nas relações com a política tradicional de Jair Bolsonaro.

Na mão inversa, os atores do status quo podem também dizer que estão chancelando o caótico governo do presidente, por sua conta e risco.

Naturalmente, agora Nunes foi exposto à luz do sol, ou por vazamento interessado ou por método presidencial de checagem de histórico. Mesmo que não vingue, o fato de ter sido anunciado é revelador do momento do governo.

Recapitulando. Bolsonaro passou o primeiro ano de seu governo numa espécie de “test-drive” com a política.

Foi ficando crescentemente claro que ele iria tentar governar sem o Congresso, no sentido de compor maiorias.

A agenda econômica avançou mais porque 2/3 do Parlamento concorda com ela, não porque Paulo Guedes convenceu alguém. E não havia eleitor de pleito municipal para agradar naquele ano.

No Judiciário, a desconfiança imperava, mas a gestão Dias Toffoli, com linha direta na área militar do governo, buscou colocar panos quentes.

Chegou 2020 e o caos das crises simultâneas se instalou. Mesmo antes da pandemia que negou e minimiza até hoje, Bolsonaro já havia esticado a corda na relação com os governadores, e vice-versa.

Com a emergência do Sars-CoV-2 e os embates diretos, temperados pela atuação do Supremo identificada no Planalto como contrária a Bolsonaro, a temperatura subiu.

Veio então a crise da saída de Sergio Moro da Justiça, em abril, ampliada pelo famoso vídeo da reunião ministerial e suas inconfidências.

Aqui o radar do centrão percebeu uma oportunidade, dado que Moro sempre foi uma espécie de Anticristo para o grupo. Sinais de aproximação surgiram.

O resto é história. Atos antidemocráticos com a presença do presidente e o rumor de que os militares poderiam apoiar um autogolpe, cortesia de comentários e notas dos próprios fardados.

Generais que antes xingavam integrantes do centrão estipularam um arranjo de conveniência com o grupo.

No auge da tensão, veio a prisão de Fabrício Queiroz e o temor no Planalto de que uma sucessão de más notícias judiciais ameaçasse a cadeira de Bolsonaro.

A normalização de fato começa naquele 18 de junho, com o silêncio progressivo do presidente. Até a infecção pelo novo coronavírus entrou na equação, tirando Bolsonaro de circulação por um tempo.

O Supremo, que em princípio não acreditou na trégua, foi se acomodando. A corte, apesar dos arroubos de ativismo judicial, busca por natureza consensos.

Mesmo os ministros mais críticos de Bolsonaro sempre foram comedidos ao especular sobre processos de impedimento, por exemplo.

O quanto as ameaças nada veladas de intervenção vindas do outro lado da praça dos Três Poderes pesaram ainda é um capítulo a ser escrito.

Mas não é só isso.

O furor investigativo dos últimos anos, que ainda se vê aqui e ali, vai enfrentando obstáculos institucionais que agradam a quem se elegeu sob seu manto e às alas garantistas nas cortes superiores.

Esse enterro do espírito da Lava Jato sob Bolsonaro tem um apelo transversal na alta política brasiliense.

Nesse contexto, o coelho Kássio Nunes saiu de uma cartola nova, mas de fabricante bastante conhecido.

O jovem desembargador teve seu nome trabalhado por Flávio Bolsonaro, o filho que encarna os rolos judiciais do clã, e por Ciro Nogueira, um dos totens do centrão.

Sua indicação foi consumada num jantar com ministros do Supremo e com Fábio Faria, titular das Comunicações e dublê de articulador político no Congresso.

Do ponto de vista de imagem, há elementos de sobra para quem quiser ver no enredo uma letra de funk carioca que envolva a expressão “tá dominado”.

Como sabem bem os ex-presidentes petistas Lula e Dilma Rousseff, contudo, ser indicado ao STF não é garantia de obediência cega ao patrono.

Se sobreviver ao escrutínio inicial, Nunes contemplará nada menos que 27 anos até sua aposentadoria. São seis mandatos presidenciais, além do atual. Muitos presidentes passarão antes de ele ir para casa.

Além disso, a perspectiva da eternidade de arranjos no credo do centrão é ilusória.

Bolsonaro continuará jogando para sua claque, e ela cobra sangue de tempos em tempos. A cooptação da política tradicional pelo bolsonarismo será testada, em especial com as nuvens trevosas da economia em plena formação.

Se tudo der certo para o Planalto, o limite para o contrato atual é 2022.

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