Não perca a esperança, Deus vai mudar esta história
A revelação de Deus no período em que a Escritura foi composta deu-se através de um longo processo, e, quem não entende isso não compreende nada. De fato, como disse Paulo, “tudo quanto outrora foi escrito, por nossa causa foi escrito, para que pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança”. A leitura bíblica é fundamental quando ela é feita com esses olhos, do contrário, ela se torna algo supersticioso e mecânico.
Aliás, o fato da leitura bíblica ter sido considerada “meio de graça” — juntamente com a eucaristia e o batismo — fez com que, para muitos, o livro-Bíblia fosse considerado um ente vivo e mágico, como se carregá-lo e lê-lo, em si mesmos, carregassem uma benção inerente.
Ora, na realidade não é assim. Isto porque as Escrituras podem ser examinadas, com toda acuidade e detalhamento, e, ainda assim, nada acontecer no coração de quem lê, posto que a Bíblia só se torna Palavra quando a leitura é feita a partir de Cristo, e quando o coração acompanha a revelação com fé.
Vale lembrar que os “antigos”- incluindo nisto os próprios apóstolos e uma quantidade enorme de “pais da igreja – não tinham o “Livro” disponível para a “leitura devocional”, posto que não havia nem mesmo o livro disponível para que se fizesse tal “leitura inspirada”.
Do ponto de vista do acesso à Bíblia, nós, sem a menor dúvida, temos muito mais acesso a ela que aqueles que nos precederam antes de haver “impressão do texto bíblico”. No entanto, paradoxalmente, as grandes percepções da Palavra aconteceram antes de haver essa facilidade física de acesso ao livro. E na minha percepção isso aconteceu também porque não tendo acesso à materialidade do Livro, as pessoas se entregavam de modo mais místico e intuitivo à verdade da Palavra.
O que aconteceu é que se instituiu o Livro como algo quase mágico, e, assim, a leitura bíblica perdeu a sua força intuitiva e simples, ficando os leitores presos à culpa de abrir o livro e ler — e, muitas vezes, seguindo até mesmo um esquema de leitura —, como se não fazendo isso Deus não falasse com a pessoa.
Nesse processo de objetivação da relação com o Livro, foram desenvolvidos muitos métodos de “compreensão” da Escritura, os quais, nada mais são do que “condicionantes” e que impedem a liberdade interior para a meditação, a ruminação e a gestação da Palavra na alma.
Ora, o simples fato de se condicionar a Graça a um Livro já é algo pagão e pequeno, e que embota os demais sentidos do ser para manter-se aberto, conferindo coisas espirituais com coisas espirituais, e, também, crendo que o conteúdo real da Palavra que nos habita, está sempre disponível para ser excitado por toda e qualquer emulação que venha do Espírito da vida, da natureza, e por tudo quanto possa significar impressão divina no nosso ser.
A Graça é puro escândalo e gera insegurança para quem não anda pela fé. Para se andar na Graça tem-se que confiar. Sem confiança, a alma acaba por tentar se agarrar a alguma forma de materialidade, seja a Bíblia, como livro; seja a igreja, como lugar de Deus; seja a Lei, como garantia de se estar “agradando a Deus” por méritos próprios.
Na realidade a Graça é chocante, pois, apenas nos manda confiar no amor de Deus, e, por tal confiança, viver de modo pacificado, sabendo que tudo está feito em nosso favor. Ora, quando essa confiança se estabelece pode-se ter “um tempo devocional”, mas, na realidade, o tempo todo vira devoção.
Deixa-se de ter “encontros marcados com Deus” e passa-se a andar com Deus, o tempo todo, e na tranqüilidade que nasce da confiança na fidelidade de Deus. (…) Uma vez que você sabe disso, cabe a você ler a Palavra na Bíblia e ler a Bíblia na Palavra. E mais: cabe a você manter-se completamente aberto, a fim de discernir a revelação de Deus também em todas as coisas.
Salete Sartori colunista do Devocional do dia