Por que Donald Trump e Boris Johnson passaram a usar máscaras em público?
Nos últimos dias, o presidente dos EUA, Donald Trump, e o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, foram vistos usando máscaras em público pela primeira vez.
Trata-se de uma grande reviravolta – Trump já havia zombado de outros por usar máscaras e insinuou até que alguns pudessem usar esse equipamento de proteção pessoal como símbolo de protesto contra ele, mesmo depois que os Centros de Controle de Doenças dos EUA recomendaram seu uso.
Enquanto isso, o governo do Reino Unido relutou inicialmente em recomendar aos cidadãos que usassem máscaras, ao contrário do que já haviam feito outros países da Europa.
Mas acabou mudando de ideia.
Em junho, o governo britânico decidiu tornar obrigatório o uso de máscaras no transporte público.
Agora, a partir do dia 24 de julho, outra medida entra em vigor: o uso do equipamento de proteção passa a ser obrigatório dentro de lojas.
Equipamento eficaz
No mundo, muitas autoridades – incluindo a Organização Mundial da Saúde (OMS) – disseram inicialmente que a eficácia das máscaras na prevenção da propagação do novo coronavírus não estava comprovada.
No entanto, agora recomendam o uso de máscaras por todos, e muitos governos tornaram isso obrigatório.
No início deste mês, o presidente Jair Bolsonaro sancionou uma lei que torna obrigatório o uso de máscaras em espaços públicos e privados, mas acessíveis ao público.
Mas Bolsonaro vetou alguns dispositivos, entre os quais, a obrigatoriedade do uso desse equipamento de proteção em órgãos públicos, além de “estabelecimentos comerciais e industriais, templos religiosos, estabelecimentos de ensino e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas”.
Segundo a lei, a obrigatoriedade do uso da máscara abrange vias públicas e transportes públicos coletivos, como ônibus e metrô, bem como em táxis e carros de aplicativos, ônibus, aeronaves ou embarcações de uso coletivo.
Quem descumpri-la terá que pagar multa, estabelecida pelos Estados ou municípios.
Diversas cidades brasileiras já vinham adotando o uso obrigatório de máscaras, em leis de alcance local.
O que mudou – e por quê?
Em meados de março, cerca de dez países tinham políticas recomendando proteção facial – agora, são mais de 130 países e 20 Estados dos EUA, segundo a Masks4All, um grupo ativista de pesquisadores que defende o uso de máscaras caseiras durante a pandemia.
Alguns estudos também indicam que as atitudes das pessoas mudaram em relação ao uso do equipamento de proteção.
Cidadãos de países sem histórico anterior do uso de máscaras passaram a incorporá-las em seu cotidiano, como Itália (83,4%), Estados Unidos (65,8%) e Espanha (63,8%), diz um relatório da Royal Society – um dos principais organismos científicos do Reino Unido.
As mudanças parecem ser em parte devido a um melhor entendimento de como a covid-19 se espalha.
Inicialmente, a OMS disse que as máscaras deveriam ser usadas apenas por profissionais médicos ou pessoas com sintomas, como tosse e espirros.
No entanto, nos últimos meses, surgiram inúmeras evidências de que muitas pessoas com o vírus não apresentam sintomas – mas ainda podem ser contagiosas – e as máscaras podem impedi-las de transmiti-lo a outras pessoas. A OMS mudou sua orientação em junho.
Enquanto isso, há mais consciência de que o risco de transmissão é maior em espaços internos mal ventilados – e evidências indicam que o vírus pode se espalhar por pequenas partículas suspensas no ar.
Isso significa que, se todos usarem proteção facial, “protegerão contra o modo mais comum de transmissão – gotículas – e até certo ponto aerossóis”, diz Kim Lavoie, professora de Medicina Comportamental no departamento de psicologia da Universidade de Quebec, no Canadá.
Lavoie acrescenta que “houve um aumento de pesquisas” sobre proteções faciais, incluindo estudos observacionais que indicam que “países com alto uso de máscaras parecem ter taxas mais baixas de infecção”.
Além disso, vários cientistas dizem agora que há “alguma evidência” de que as máscaras podem proteger o usuário e as pessoas ao seu redor.
Também há uma aceitação crescente de que a pandemia pode continuar por um longo tempo – e, nesse caso, as proteções faciais podem ser vistas como algo necessário para ajudar as pessoas a se adaptarem e reduzir os riscos à medida que retornam à “normalidade”.
“A covid-19 não desaparecerá – provavelmente levaremos alguns meses ou anos até obtermos uma vacina”, diz Lavoie, que lidera o iCARE Study, uma pesquisa internacional sobre comportamentos relacionados à covid-19.
“Portanto, todos esses princípios precisam ser integrados e adaptados ao novo normal.”
Por que os países têm posturas tão diferentes?
Embora os governos tenham mudado de atitude, há uma grande lacuna sobre como as pessoas estão dispostas a usar máscaras.
Segundo um levantamento realizado pelo Instituto de Inovação em Saúde Global da Universidade Imperial College de Londres, no Reino Unido, junto com a empresa de pesquisas YouGov, 83% das pessoas na Itália e 59% nos EUA dizem que sempre usariam uma máscara fora de casa.
No entanto, esse índice é de apenas 19% no Reino Unido.
O Brasil não foi incluído no levantamento.
“Os EUA, Reino Unido e Canadá têm sido relativamente lentos em acelerar o uso de máscaras em comparação com, por exemplo, Espanha, França e Itália”, diz Sarah P. Jones, pesquisadora de comportamento em saúde da Imperial College de Londres e uma das responsáveis pelo levantamento.
Ela diz que o uso de máscaras pode variar de acordo com a vulnerabilidade das pessoas em relação a uma doença, se elas acreditam que os custos superam os benefícios e também na disponibilidade desse equipamento.
Em países com aumentos acentuados no uso de máscaras, as pessoas podem ter passado por “aumentos rápidos nas percepções de gravidade e vulnerabilidade”, “mudanças rápidas nas políticas que exigem o uso de máscaras” e uma sensação de que “se vejo muitas outras pessoas fazendo isso, não deve ser um problema usar uma máscara”.
Lavoie, da Universidade do Quebec, concorda que lugares “atingidos com rapidez e gravidade”, como a Itália, podem ter adotado o uso de máscaras com mais facilidade.
Finalmente, as pessoas nos países que sofreram a pandemia de Sars (Síndrome Aguda Respiratória Grave) em 2003 – ou outros surtos respiratórios – estavam mais prontas para começar a usar máscaras.
“No leste da Ásia, há muita memória recente de pandemias respiratórias e uma consciência cultural de que máscaras são uma boa ideia”, diz Jeremy Howard, cientista da Universidade de São Francisco, nos Estados Unidos, e um dos fundadores da Masks4All.
Por outro lado, “simplesmente não há história recente de pandemias respiratórias no Ocidente” e muitas instituições ocidentais e internacionais “quase totalmente ignoraram os cientistas do Leste Asiático”, argumenta ele.
Muitos países foram particularmente relutantes em recomendar máscaras devido à falta de testes clínicos que comprovassem sua eficácia, diz o relatório da Royal Society.
No entanto, “não houve testes clínicos de tosse no cotovelo, distanciamento social e quarentena, mas essas medidas são vistas como eficazes e foram amplamente adotadas”, acrescenta.
Por que alguns ainda relutam em usar máscaras?
A maioria dos países agora recomenda ou exige proteções faciais em algumas situações.
No entanto, a maioria das pessoas ainda parece muito mais disposta a usar desinfetante para as mãos, como álcool gel, praticar distanciamento social ou lavar as mãos regularmente do que usar máscaras, dizem especialistas.
Por trás disso, na opinião de Lavoie, está o pensamento de que as pessoas acham que lavar as mãos e praticar o distanciamento social são coisas que podem controlar facilmente.
Por outro lado, “o uso de máscaras é um pouco mais complexo – você precisa encontrar e comprar uma máscara, colocá-la e descartá-la de uma certa maneira, e elas podem ser desconfortáveis de usar”.
E a mudança de orientação da OMS e de muitos governos pode ter causado confusão.
Muitos especialistas dizem acreditar que os governos relutam em recomendar proteções faciais porque temiam que houvesse escassez de equipamentos de EPI (Equipamento de Proteção Individual) para profissionais da área médica – mas ao sugerir que elas eram ineficazes na prevenção de transmissões, agora parecem inconsistentes.
“Mensagens dúbias, falta de transparência quanto aos dados, ou a forma como o governo toma certas decisões políticas, podem minar a confiança da população” e dificultam convencer as pessoas a usar proteções faciais agora, diz Lavoie.
Howard diz acreditar que muitos governos do Ocidente demoraram a agir em relação às máscaras até serem afetados pela pandemia.
No entanto, ele acha que as aparições do premiê britânico de o presidente americano com máscaras podem ter um impacto positivo.
“Eles servem como exemplos”, diz Howard, e desde que Trump usou uma máscara, “muitas pessoas que antes eram contra as máscara agora dizem que seu uso representa patriotismo”.
Isso se tornou especialmente importante agora que os EUA estão passando por uma nova onda de infecções, acrescenta.