Questionamento à Constituição do CE mira reeleição na Assembleia

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A Constituição do Ceará entrou na mira de grupos políticos em meio à disputa pela sucessão da Mesa Diretora nas duas Casas do Congresso Nacional. Nos bastidores, partidos se movimentam para questionar dispositivo da legislação cearense que permite a reeleição do presidente da Assembleia Legislativa na mesma legislatura. O objetivo é levar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF) para abrir a mesma possibilidade aos atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e tentar reconduzi-los aos cargos em 2021. O movimento ocorre na esteira de outros questionamentos feitos recentemente a normas estaduais.

Nesse caso da eleição da Mesa Diretora, as regras estão no radar, porque o Ceará, assim como outros estados, permite a recondução do presidente da Assembleia Legislativa ao cargo dentro de uma mesma legislatura, o que não está previsto na Constituição Federal para Câmara e Senado

O artigo 57 da Carta Magna estabelece que cada Casa Legislativa se reunirá no primeiro ano da legislatura para eleição das respectivas Mesas, para um mandato de dois anos, sendo vedada a recondução dos dirigentes para o mesmo cargo na eleição seguinte, que ocorre na mesma legislatura.

O artigo 27 da Constituição também delimita que as regras para deputados federais e senadores se aplicam a deputados estaduais somente no que diz respeito a sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas. A Constituição não fala que as regras para eleição da Mesa Diretora do Congresso devem ser as mesmas para os legislativos estaduais e municipais.

Com isso, o dispositivo que trata sobre eleição da Mesa Diretora não é de reprodução obrigatória pelos estados e municípios, ou seja, cada Assembleia e Câmara Municipal pode definir as questões relativas à eleição dos seus dirigentes. No entanto, a estratégia nos bastidores é usar a legislação cearense como pano de fundo para criar regra geral que permita reeleição dos presidentes da Câmara e Senado na mesma legislatura.

O procurador da Assembleia Legislativa, Rodrigo Martiniano, questiona as intenções de colocar na berlinda justamente a legislação cearense. “A maioria dos estados permite a reeleição. Tem que respeitar cada legislatura acerca do seu modelo, dos interesses internos, não necessariamente esse ponto precisa ser de simetria constitucional”.

O ex-presidente da Assembleia, deputado licenciado Zezinho Albuquerque (PDT), foi o primeiro parlamentar a exercer, por três mandatos consecutivos, a função de presidente do Legislativo cearense. Após a última eleição na Casa, quando o deputado José Sarto (PDT) foi escolhido presidente, Zezinho chegou a afirmar que o combinado seria que a atual composição da Mesa Diretora não disputasse recondução aos postos. Já Sarto disse, à época, que não havia acordo para que ele não disputasse reeleição.

Questionamentos

A manobra no Congresso Nacional vem sendo articulada por aliados dos atuais presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, ambos do DEM. Para o advogado André Costa, presidente do Instituto Cearense de Direito Eleitoral, trata-se de uma mudança na Constituição Federal que deve ser feita pelo Congresso Nacional.

“Não compreendo como a declaração de inconstitucionalidade da mencionada norma constitucional estadual poderia flexibilizar a interpretação e a validade da norma constitucional federal que não deixa qualquer dúvida razoável sobre o conteúdo, mas a resposta a esse ponto cabe a quem está construindo essa estratégia jurídico-política”, afirma.

Não é a primeira vez, porém, que questionamentos são feitos à Constituição cearense. No mês passado, o procurador-geral da República, Augusto Aras, moveu uma ADI contra o quórum estabelecido para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa. A ação foi ajuizada após deputados protocolarem pedido de criação de CPI para investigar a disseminação de fake news no Ceará.

Já em junho deste ano, o ministro do STF, Luís Roberto Barroso, suspendeu os efeitos da Emenda Constitucional nº 95, aprovada pela Assembleia em 2019, que concede aposentadoria especial a conselheiros em disponibilidade do extinto Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará (TCM).

Um dos pontos contestados na emenda é porque ela diverge da Constituição Federal, ao deixar de fora critérios para a concessão de aposentadoria, como período de dez anos de serviço público ou de cinco anos no cargo. A norma foi suspensa até que a ação seja julgada pelo Pleno do STF. A aposentadoria especial foi aprovada após embates políticos quando da extinção do TCM em 2017, também contestada no Supremo. A Constituição do Estado também foi alvo de outros questionamentos num passado recente.

Judicialização

Assim como existem interesses políticos por trás de mudanças na Constituição, o mesmo componente também permeia ações movidas contra as normas, o que preocupa juristas. Para o professor do curso de Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor), Martônio Barreto, a quantidade de leis cearenses questionadas na Justiça demonstra esvaziamento do poder político.

“Atores políticos vencidos na seara política recorrem ao Poder Judiciário numa perspectiva muito mais de reverter essa derrota do que de defesa da Constituição, e isso significa um esvaziamento das questões políticas para o próprio Judiciário e eu acho isso enfraquecedor”, diz.

O professor de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), Felipe Braga, por sua vez, critica o modo com o qual, por vezes, normas são aprovadas. “Meio que no atropelo, geralmente no fim do ano. Emendas sem intervalo de hora (para votação em dois turnos). Não é só culpa da Assembleia, mas do Executivo, que manda (as propostas) em cima da hora”, avalia.

Já o procurador da Assembleia, Rodrigo Martiniano, considera que está dentro da normalidade o número de contestações a normas aprovadas na Casa. Ele pondera, ainda, que alguns questionamentos judiciais são feitos com viés político. “Os partidos têm direito e, às vezes, o ingresso faz parte do direito contra-majoritário, de usar o Judiciário como instância política”.

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