Lideranças religiosas debatem limites da atuação política em templos

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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve continuar julgamento, na próxima terça-feira (18), do processo que avalia a possibilidade da aplicação da conduta de abuso de poder religioso. A ação pretende punir iniciativas que favoreçam, a partir de estruturas religiosas, determinadas candidaturas. A discussão feita agora pela Justiça Eleitoral – sobre como ocorrem os atravessamentos entre religião e política e quais os limites entre os dois campos – é objeto de frequente debate em diferentes âmbitos da sociedade.

O crescimento da chamada bancada da Bíblia, no Congresso Nacional, e da presença de parlamentares e chefes do Executivo que apontam a defesa de valores religiosos como bandeira política e eleitoral dá fôlego ao debate, principalmente às vésperas de uma disputa eleitoral municipal. O Diário do Nordeste conversou com lideranças religiosas de diferentes crenças e houve uma unanimidade: a religião é, também, política.

Contudo, o entendimento de como a política deve ser colocada em prática é amplo, apontam as lideranças, e para elas devem existir limites na atuação das instituições religiosas, principalmente quando se trata de política partidária e eleitoral. “A fé não é um fenômeno individual, mas coletivo. Então, é importante lembrarmos que toda atitude nossa tem uma conotação política também”, afirma o padre do Santuário de Nossa Senhora de Fátima em Fortaleza, Ivan de Souza.

“Mas, quando falo de política, não é a partidária, que muita vezes é desigual e desonesta”, argumenta. “Minha atitude de fé demonstra uma atitude política, que busca a justiça e a verdade”. Por conta disso, ele considera que “o cristão deve estar na política, para que ele a transforme”.

O reverendo Francisco Ferreira, da Igreja ICM Fortaleza, concorda. “É impossível ser religioso sem ser político”, frisa. Para o reverendo, que lidera uma igreja inclusiva cristã na Capital, a figura de Jesus Cristo e sua história no mundo refletem a necessidade da atuação política. “Então, é urgente que pessoas que sejam religiosas tomem a frente”.

Os aspectos concretos da política influenciam diretamente diferentes instituições, inclusive a religião. “É nela que nascem as leis e toda a normatização que organiza a sociedade”, explica o ogan alabê Armando Teixeira, do Ilê Axé Omo Tifé. Candomblecista, Teixeira aponta que as mentalidades dos políticos também interferem, neste caso. “Existe a religiosidade e existem as instituições religiosas. A política consegue interferir nas instituições e, em algumas religiões, também na religiosidade”, afirma.

Candidatura

Se essa já é uma questão complexa, no período eleitoral torna-se mais relevante. Para o padre Ivan de Souza, as instituições religiosas precisam manter o equilíbrio entre não se eximir do processo político, mas não interferir ou se envolver demais. “Qual foi o partido de Jesus? Nenhum”, enfatiza. Por conta disso, ele defende que a associação com ideologias ou partidos específicos deve ser evitada. “Não é função da Igreja indicar candidato ou dizer em quem o fiel vai votar. Temos que orientar para que ele busque se informar, mas deixá-lo livre para ter o seu protagonismo”, afirma.

Apesar de ressaltar a importância da representatividade da religião evangélica no Poder Público, o presidente da Ordem dos Ministros Evangélicos do Ceará (Ormece), pastor Francisco Paixão, também acredita serem necessários limites. “Eu não concordo com fazer política no altar. Pastoreio 30 Igrejas e, em todas, eu proíbo o uso do púlpito para política”, enfatiza a liderança. O reverendo Francisco Ferreira também faz ponderação sobre o limiar. “O limite está entre a representação e a dominação. Nós enquanto religiosos devemos utilizar a política como movimento de representatividade, principalmente das minorias”, sustenta.

Receio

O pastor Francisco Paixão afirma ainda que, durante muitos anos, houve um receio de lideranças religiosas do envolvimento com a política. “Começaram a criar uma ojeriza”, relata. Contudo, na última década, houve uma percepção de que era necessário também ocupar esses espaços.

Por isso, para ele, é importante que hajam candidatos ligados à igreja. “Tem crescido bastante o número de evangélicos, então cresce o anseio de sermos governados por pessoas que respeitem a religião”, afirma. “Cada eleitor deve fazer suas escolhas. Aqueles que veem que é necessário, vão se mobilizar pelo candidato que ofereça maior segurança para os evangélicos”, complementa.

Representatividade

Já Teixeira considera que as Casas de religiões de matriz africana na Capital ainda não são tão unificadas, mas há grupos que têm se organizado para pensar políticas de interesse dessas crenças, o que se reflete também em escolhas eleitorais. “Questões como condições de legalidade e de regularização dos terreiros”, exemplifica, ou mesmo da segurança dos terreiros contra atos de intolerância religiosa são pautas importantes para essas religiões. “Nós, então, debatemos perfis de candidatos e programas que se comprometem com as pautas programáticas ligadas ao terreiro”, explica o religioso.

Para o padre Ivan, a representatividade é uma necessidade de todas as crenças. “É importante ter políticos de todas as religiões no Poder Público, mas não devemos atrelar a Igreja a isso”, arremata.

TSE

O TSE prossegue analisando, na próxima semana, a tese proposta pelo ministro Edson Fachin, sobre a possibilidade de aplicação da conduta de abuso de poder religioso na disputa eleitoral.

O Tribunal julga o caso em que o Ministério Público Eleitoral pediu a cassação de uma vereadora de Luziânia (GO), eleita em 2016, por suposto abuso de poder religioso. De acordo com a ação, o pai da parlamentar é pastor e teria feito reunião com fieis para pedir votos.

Até o momento, os três ministros que votaram, inclusive o relator, entenderam que as provas anexadas ao processo não são suficientes para cassação, mas decidiram analisar a tese de abuso de poder religioso para aplicação em outros casos. Contudo há divergências e, por enquanto, apenas Fachin votou favorável à tese.

“É possível entender que o sentido da legitimidade eleitoral é violado quando uma autoridade religiosa realiza uma espécie de extorsão do consentimento, fazendo com que haja um direcionamento abusivo para uma determinada candidatura? É possível reconhecer o abuso de autoridade”, disse Fachin.

A advogada especialista em Direito Eleitoral, Isabel Mota, pondera que, caso seja aceita, essa jurisprudência pode causar insegurança jurídica sobre a aplicação do abuso de poder religioso. “O ideal seria que o Congresso Nacional pudesse acrescentar a possibilidade do abuso de poder religioso na Constituição, porque assim o TSE poderia, mais legitimamente, estabelecer uma punição”, explica.

Contudo, ela considera que a Justiça Eleitoral também não deve ficar omissa da questão, sendo importante a fiscalização de infrações à legislação eleitoral.

Coordenador do Centro de Apoio Eleitoral do Ministério Público do Ceará, o promotor Emmanuel Girão explica que, sem a previsão legal do abuso de poder religioso, eventuais excessos cometidos por instituições ou lideranças religiosas podem ser enquadradas em abuso de poder econômico ou em abuso de poder de autoridade.

“A utilização da estrutura física de um determinada Igreja, de qualquer religião, ou do dinheiro que deveria ser utilizado para atividades religiosas é o foco da fiscalização”, exemplifica. Segundo ele, o receio se volta a possível desequilíbrio do jogo eleitoral. “Mas a preocupação da Justiça Eleitoral é que não haja também uma banalização e que, qualquer coisa relacionada a religião, vá parar no Tribunal”.

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